O Velho Soldado

Comentarios
Acendi a luz do lampião com cuidado. Já estava quase na hora do pequeno chegar. Desde o começo do mês aquele jovenzinho vinha, ao anoitecer, para conversar um pouco comigo. Eu adorava poder falar com ele.

Como sempre o menino chegou com um sorriso largo no rosto. Qualquer pessoa pensaria bobagem ao ver um velho como eu conversando com um garotinho como aquele. Algumas vezes isso me incomodava, mas o menino tinha sido o meu primeiro amigo e única companhia em anos. As pessoas tendem a esquecer de você quando a velhice chega...

- Seu Bastião, boa noite! -  tilintou o pequeno.

- Boa noite, Marcelo. – respondi – Como anda meu pequeno soldado?

O garoto riu. Adorava quando o chamava de soldado. Enchia o peito de ar e batia continência, sentindo-se importante.

Começou, então, a repassar as suas aventuras do dia. Aquilo me revigorava, fazia eu me sentir vivo novamente. Contou sobre os livro que lera, do que brincara e os cômodos que explorara na casa das tias. Essas eram duas velhas solteironas que moravam no fim da rua. Marcelo estava passando uma temporada com elas e como não conhecia as crianças da vizinhança, se divertia explorando o casarão.

Quando terminou sorriu novamente e me me encarou com aqueles grandes olhos azuis. Sentou-se no primeiro batente da varanda e me pediu que falasse como havia sido o meu dia. Expliquei que tinha sido bem entediante, como de costume. Que nunca havia nada de novo. No entanto, se quisesse que eu contasse as histórias da minha juventude, ficaria mais que feliz em entretê-lo. Ele logo se animou. Escutava aquelas aventuras tão empoeiradas quanto eu como se fossem a coisa mais interessante do mundo. E quantas aventuras eu tive...

Quando mais jovem um fui soldado de verdade. Lutei em revoluções, guerras e em toda sorte de levantes. Comecei minha carreira bem jovem, 16 anos, portanto também me aposentei cedo. Não soube levar uma aposentadoria tranquila, porém. A guerra estava em meu sangue e a calmaria que o envelhecimento trouxe não me caiu bem. Aos 60 anos me suicidei, nesta mesma casa onde meu espírito vaga. Boatos se espalharam e as pessoas agora tem medo de se aproximar daqui. Falam que é uma "casa mal-assombrada". Bom, de certa forma isso é verdade, já que estou aqui. Então esse garoto apareceu e ele não tinha medo de mim. O menino sabia que eu já não estava mais vivo, mas isso não parecia incomodá-lo.  Toda noite ele vinha e eu lhe contava os meus feitos. Ele parece feliz. Eu também estou.

***

Depois que ele terminou a história nós nos despedimos e fui embora. No caminho eu pensava como o velho fora solitário em vida. Esse devia ser um dos muitos sacrifícios necessários para ser um grande soldado.

As histórias deles são incríveis! Ele lutou em guerras de verdade e salvou um monte de gente. Foi um herói... Eu queria ser um herói... Penso que isso seja difícil, devido as circunstâncias.

Pensei como Seu Bastião pudera se tornar tão recluso, antes de morrer, que nem sabia que no fim da rua não havia casarão algum, apenas um cemitério. Era ali, logo em umas das primeiras sepulturas que eu estava enterrado. Morri muito novo, logo nunca poderei ser um soldado. Não me importo mais tanto, agora que tenho o velho. Nós seremos amigos e ele vai me contar todas as suas histórias... Pra sempre!

Por Lucas Emanuel


Ps: Para aqueles que possam já ter tido algum contato com meus textos, sem saber que eram meus, esse conto já foi publicado em um dos meus antigos blogs, o Lex Gravior (atualmente desativado). Também está disponível no Creepy Pasta (Creepy Dos Fãs). Contundo esta versão foi revisada e sofreu alguma alterações. 

Ps2: Conto dedicado aos amigos Luanna Amaral e Lorenzo Marcello. 


#Compartilhar: Facebook Twitter Google+ Linkedin Technorati Digg

0 comentários:

Postar um comentário

Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial